quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

NINGUEM AJUDA A NINGUEM; A GENTE É QUEM AJUDA A SI MESMO..

Eu provo essa máxima com uma situação verídica vivida por mim e um amigo, que chama-lo-ei de Marquinhos.



CHEGUEI numa certa tarde na minha Fazenda do Claro, em torno de duas horas da tarde. No momento estava apenas a esposa do meu caseiro. Indaguei dos homens e ela prontamente me informou que eles estariam na lavoura de milho, cerca de um quilômetro. Naquele momento ela levaria até a eles os bornais com a merenda. Prontifiquei levar a merenda, pois iria até onde eles estivessem. 
Entrei lavoura a dentro em direção de onde estariam. Lá chegando estava o caseiro e três dos seus filhos absortos no eito, que nem sequer deram conta da minha chegada.
Além deles estava também o Marquinhos, garrado no eito, capinando junto aos demais.

FIQUEIi esbabacado, mudo e petrificado, presenciando aquela visao surreal, pois o Marquinhos era totalmente paraplégico dos membros inferiores, necessitando de duas muletas para se locomover. Ainda assim, carpia com toda energia e acompanhava os demais no laboreio da lavoura.

Indaguei do caseiro quem seria aquele rapazinho, que embora fosse deficiente, era bem humorado e muito carismático. Fui informado ser ele sobrinho da sua esposa que havia perdido a mãe e, se vendo sozinho no mundo, buscou guarida junto a sua tia.

Procurei conversar com ele e me surpreendi, pois demonstrava uma inteligência rara e muita vontade de vencer na vida. Indaguei dele se tinha vontade de aprender alguma profissão condizente com as suas condições físicas, ao que respondeu positivamente, mas se esbarrava nas condições financeiras.

QUEIMANDO etapas e com a aquiescência da sua tia, levei-o pra minha casa com a aprovação da minha mulher. Naqueles dias estávamos, eu e a esposa, passando por momentos difíceis devido a ausência dos nossos três filhos, que foram estudar em Uberlândia. Na verdade o Marquinhos diminuiu em parte o banzo que pairava sobre nós.

PENSEI em diversas formas de profissionalizar o Marquinhos, sendo que ele concordava de imediato, mas fui reconhecendo nele talento suficiente para alçar vôos mais altos. Decidi, então, coloca-lo no meu escritório e comprei pra ele de uma so vez o Curso de Madureza Ginasial para que ele desse um pulo e recuperasse alguns anos perdidos. Foi um sucesso. Dentro de alguns meses ele fez as provas e concluiu o primeiro grau, ficando apto a se matricular no segundo grau. Como curso profissionalizante então existente em Vazante, era o de Técnico em Contabilidade, no qual foi matriculado.
Eu ficava feliz em ver o Marquinhos alçar sua pasta nos ombros e, todos os dias, ganhar o rumo do Colégio onde, durante três anos frequentaria, em busca do seu diploma de Técnico de Contabilidade...

O MARQUINHOS morou em nossa casa por cerca de um ano e meio. Foi lhe ajeitado um dormitório em uma meia água no fundo da casa, com entrada independente, onde ele tinha acesso quando bem quisesse. Não era coisa luxuosa, mas confortável, como era a minha residência. Suas refeições era na nossa mesa, sem nenhuma restrição. Era tido como um ente familiar.
QUANDO cursava pouco mais da metade do curso de contabilidade achei por bem arranjar-lhe um trabalho melhor, com remuneração
 à altura da sua escolaridade e com mais perspectiva de crescimento, pois na condição de secretário de escritório de Advocacia não se vislumbrava grande coisa.

Liguei para o Dr Argemiro, à época Gerente da cia. Mineira de Metais, expondo a minha pretensão e, logicamente, enaltecendo as qualidades do Marquinhos. Prontamente aquiesceu ao pedido e pediu que o apresentasse ao Sr Sinval Lemos, voltando de lá empregado, dando início a uma nova etapa da sua vida...


MARQUINHOS saiu do meu escritório deixando um enorme vazio. As pessoas já tinham se afeiçoado a ele. Fiquei um longo período dando explicações do porquê da sua saída, sem contar a enorme tristeza que eu guardava, apesar de ve-lo todos os dias, pois continuou morando conosco. E certo que o seu lugar na mesa ficou vazio, porque tinha refeições no local de trabalho e, como de costume, não jantava, e lanchava na escola. Aos domingos e feriados ele nos dava o prazer da sua presença no tradicional frango domingueiro.


A alegria estampava no seu rosto simpático. Afinal vestir o uniforme da "Mineira", era a realização do sonho de muita gente. Era muito bom ver o Marquinhos se preparando, tomando seu café da manhã, sempre animado para ir até ao ponto, onde embarcação em direção do seu trabalho.

Ia tudo muito bem. De Secretaria nova e o Marquinhos iluminando o seu local de trabalho e mostrando a sua inconteste competência.
Numa tarde qualquer o Marquinhos pediu-me um particular. Em situações como essa ele se fechava e tinha dificuldade de se expressar. Nesse dia então ele demorou pra me dizer que pretendia sair da minha casa. Seus colegas de serviço, morando em uma república haviam lhe convidado pra com eles morar. Justificou que não pretendia mais ser um peso pra mim, etc
Ora, Marquinhos, você nunca foi um peso pra mim e a minha esposa. Pelo contrario, você sempre foi a alegria desse a nossa morada.
Mas afinal ele era um homem, tinha o seu trabalho e o direito de viver a sua vida. Lá se foi morar com os seus colegas mas com a promessa de não se afastar de nos. Que viesse aos domingos almoçar conosco e vez ou outra tomar um cafezinho, o que cumpriu. Creio eu, por prazer e não por obrigação


Num desses domingos em que o Marquinhos veio em minha casa para o almoço eu pressenti que ele tinha alguma coisa pra me dizer. Seu rosto mais vermelho do que o costume e a dificuldade para iniciar o assunto denunciava. Com dificuldade ele foi relatando: sacou do seu boletim escolar e mostrou que tinha sido aprovado com louvor - o que para mim não tinha a menor surpresa - pois acompanhei a cada bimestre as suas notas e, assim, ele era um Técnico em Contabilidade. Era mais um tento que lavrava na sua obstinada luta rumo aos seus ideais.

Depois dos cumprimentos e abraços emocionados o Marquinhos tirou o chão dos meus pés: me disse emocionado que, na falta dos seus pais, nos convidavam, eu e a Maria, para seus paraninfos nas solenidades de Colação de Grau, já com data marcada.

Até hoje me emociono ao relembrar aquela noite, quando chamaram o formando Marcos Antonio Alves para se aproximar da mesa e receber o seu diploma. Caminhamos de braços dados, eu, ele e suas muletinhas, apupados por ensurdecedor aplausos e palavras de carinho, que aumentaram mais ainda quando ele exibiu ao público presente aquele seu troféu.

Foi uma noite memorável...



Marquinhos continuava trabalhando na Cia. Mineira , mas sempre sonhando alto.
E vero que depois de formado obteve melhor classificação na Seção em que trabalhava, o que de certa maneira o enchia de orgulho.
Numa noite, o dia não me lembro, ,recebi a visita dele. Como sempre, muito simpático, naquela oportunidade não demorou mostrar a quê veio. Foi logo me relatando as suas intenções, quase me provocando um ataque cardíaco. "Estou me demitindo do emprego. Vou sair da Mineira." Eu fiquei sem saber o que dizia, mal consegui perguntar o que tinha acontecido. Pensei logo numa redução do número de funcionários e outros motivos. Nunca motivado por ele próprio. Foi quando me explicou que tinha comprado um Escritório de Contabilidade em Guarda Mor, sua cidade natal.
Fiquei aliviado e de pronto abracei o seu projeto por conhecer bem as suas atitudes pensadas e repensada. Apenas dele indaguei se precisava de alguma ajuda financeira o que agradeceu muito mas disse ter economizado o suficiente.
Dessa feita, com poucos anos passados, retorna triunfante para a sua terrinha, sendo destarte seu próprio patrão.
Foi recebido como merecia e Guarda Mor ganhou um competente profissional.
A Agricultura estava em plena prosperidade e o Marquinhos - agora Marquinho Contador -como ficou sobejamente conhecido, prosperava no embalo da cidade.
Não demorou muito desfilava no seu próprio automóvel, devidamente adaptado as suas condições físicas; construiu sua casa própria, onde acomodaria o seu e escritório e a esposa, pois se casariam brevemente.
Me visitava frequentemente, dando-me conhecimento da sua vida, que ia de vento em popa.
Com a força do seu trabalho proporcionava conforto para a família agora acrescida de duas filhas, adquirindo a sua fazenda - o que sempre sonhou -.
Em todas as oportunidades em que estivemos juntos ele, agradecidamente, se referia a mim enfatizando que tudo o que era na vida devia a mim. Eu não absorvia aquilo bem, pois sempre acreditei diferente e retrucava: você deve a si mesmo Marquinhos. A sua vontade, a sua inteligência, o seu querer, a sua obstinação e a sua força interior. Nunca disse a ele, mas pensava: se tivesse conhecido aquele mesmo Marquinhos numa esquina pedindo esmola, pois tinha todos os requisitos para tal, talvez nada o daria, por não ser do meu feitio.mas o encontrei trabalhando, com a cabeça erguida, sustentando a sua dignidade, o que jamais poderá ser perdida.


Infelizmente antes de inteirar 50 anos veio a falecer. Segundo explicações médicas mais em razão da sua deficiência física. Mas o pouco que viveu foi o suficiente para deixar a sua trajetória de sucesso e de exemplo para todos nós...
Razões pelas quais sempre digo: NINGUÉM AJUDA NINGUÉM. A GENTE É QUEM SE AJUDA A SI MESMO...





(do autor) publiquei essa trajetória exitosa do inesquecível Marquinho Contador não para obter qualquer reconhecimento, mas sim por acreditar que naquela tarde foi Deus que o colocou no meu caminho, proporcionando-me a oportunidade de servi-LO.

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